SENTENÇA DO 1º GRAU DA AÇÃO GUERRA DAS MOEDAS

PROCEDIMENTO COMUM DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5062954-68.2012.404.7100/RS
AUTOR : SÉRGIO AUGUSTO PEREIRA DE BORJA
ADVOGADO : SÉRGIO AUGUSTO PEREIRA DE BORJA
RÉU : UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

SENTENÇA

O autor vem a juízo requerer a condenação da União a reconhecer seu direito de autor sobre expressão empregada em artigo científico e a pagar-lhe indenização por dano moral.
Relata que, em 15 de julho de 1998, publicou artigo em que utilizava a expressão ‘guerra das moedas’, nunca antes utilizada para definir a situação e a conjuntura econômica de que tratava em seu texto, a qual veio a ser posteriormente utilizada por autoridades públicas sem menção à sua autoria. Afirma que, pela originalidade e pelo ineditismo da análise empreendida no referido artigo, e daquela expressão então cunhada, deveria ser-lhe publicamente concedido o crédito autoral. Postula a condenação da ré não apenas ao reconhecimento desse direito, mas à publicação desse fato na imprensa, e a indenizar-lhe os danos morais, neste ponto incluída ordem que o isente de imposto de renda por dois anos ou que determine à Capes a concessão de bolsa para que possa cursar mestrado e doutorado.
A União contesta afirmando não ser dado ao autor estabelecer-se como proprietário intelectual de uma expressão de linguagem.
É a síntese. Decido.

I – Não é possível iniciar a análise do presente feito sem perquirir-se, por primeiro, da legitimidade passiva da União. Presume-se que o autor entenda legitimada, a ré, pelo raciocínio que expõe em passagens como:

‘… o governo federal, notadamente por seus órgãos a Presidência da República, através das palavras de seu Presidente, na ocasião Luiz Inácio Lula da Silva, pela atual presidente Dilma Roussef, pelo Ministério da Fazenda, através do Ministro Guido Mantega utilizaram-se e continuam a utilizar-se do conceito Guerra das Moedas, sem citar ou nomear a autoria do conceito,…’

e

‘Que em outubro e novembro de 2010 o governo federal através da Presidência da República, do Ministério da Fazenda e do Banco Central, usando o termo ‘Guerra das Moedas’, sem citar a autoria e o peticionário, como provam as manchetes garrafais de toda a imprensa nacional e internacional, colocaram em destaque o nome ‘Guerra das Moedas’…’.

Há grande dificuldade de ver-se configurada a legitimidade da União no caso presente, o que, apenas com esforço interpretativo, poder-se-ia assentar no alegado fato de que o uso da expressão sobre a qual o demandante reclama direitos de autor deu-se por agentes públicos, lato sensu, a serviço da União.
Assim consideraremos, porém, para prosseguimento do feito.

II – Note-se que o autor formula, ainda, pedido de citação da Presidente da República, Dilma Roussef, além do ex-Presidente Luis Inácio Lula da Silva, do Ministro da Fazenda, Guido Mântega, e do Presidente do Banco Central, Alexandre Antônio Tombini. Ainda que formule o pedido de citação, o autor não os inclui como réus em sua ação, e sua inicial, em verdade, não esclarece se os considera réus ou testemunhas.
O pedido de citação é indeferido, ausente o cabimento processual desse ato.

III – A inicial narra que ‘antes de 15 de julho de 1998, época em que o autor e requerente escreveu Guerra das Moedas, não há em toda a literatura sobre o tema em questão nenhuma obra ou artigo que se utilize das palavras Guerra das Moedas e também das definições que dizem no que consiste sendo aplicada esta teoria na realidade prática como o autor fez’.
Adiante, o autor informa que, posteriormente, essa expressão foi utilizada por autores estrangeiros, relatando que ‘só em 2007 é editado na China o livro ‘The Currency War’ de Song HongBing, e, em 29 de março de 2008, John K. Cooley, inglês, também escreveu e editou um livro chamado ‘Currency Wars’ sendo que em 2010 o professor Barry Eichengreen, uma das maiores autoridades em moeda do mundo, da Faculdade de Economia do Dartmouth College, de Berckeley, na Califórnia, também escreveu um artigo, publicado em seu site, em 2010, intitulado ‘How to prevent a Currency War’, sendo que a diferença de tempo, com antecipação para o ora peticionário e autor é de uma antecedência de 9 anos (DOC. 13 anexo – Direito Empresarial – opus citae – fls. 517);’.
Poder-se-ia indagar se os referidos autores também não deveriam constar no pólo passivo desta lide. Ou, ainda, se detêm um especial reconhecimento como inventores da discutida expressão, nos moldes do ora pretendido. Estranhamente, nada é referido pelo autor quanto ao ponto, limitando-se a direcionar sua pretensão contra a União, embora variados possam ser os agentes do ilícito propugnado na inicial.

O autor redigiu artigo em que analisava a situação financeira, monetária e cambial do então corrente momento histórico. Emitiu opinião sobre essa conjuntura e valeu-se de uma expressão para denominá-la. Não criou um objeto novo, passível de individuação, de especialização, de diferenciação. Não existe possibilidade de delimitar-se autoria ou algum tipo de ‘propriedade’ sobre uma expressão utilizada para exprimir uma ideia, tanto quanto o conceito de ‘ideia’ difere dos inventos invocados pelo autor, como o avião, o telefone, a própria teoria da relatividade. Em realidade, as grandes ideias da humanidade, ainda quando possam ser identificados seus criadores ou lançadores, não se sujeitam a constituir propriedade intelectual, salvo pelo reconhecimento, digamos, ‘informal’ que a comunidade, em maior ou menor escala, a eles concede. Esse reconhecimento não é obtido da forma compulsória, como pretende o autor, nem se sujeita a registro, senão que provém de um contexto de publicização e relevância que adquira.
Aqui diria, o autor, que publicização houve, mas sem reconhecimento. Discordamos, pois, novamente, a expressão utilizada por esta ou aquela pessoa, esta ou aquela autoridade, é tão originalmente sua quanto o é de todos os outros falantes do mesmo idioma. Não consta que o autor tenha desenvolvido uma teoria econômica com critérios científicos, ou algo que o valha, e que esta tenha sido usurpada. Trata-se, apenas, da simples menção à expressão ‘guerra das moedas’, que o próprio autor reconhecer ser passível de substituição, verdadeiramente ocorrida, pelos similares ‘guerra das divisas’ ou ‘guerra cambial’ ou ‘tsunami monetário’.
Não é por outra razão que a lei que disciplina os direitos autorais no Brasil, nº 9.610/98, é expressa ao afirmar que a proteção, no domínio das ciências, não abrangerá o conteúdo científico ou técnico, o que, vale anotar, sequer se pode aplicar ao caso presente, pois o artigo escrito pelo autor, como já dito, não pode ser considerado como uma inovadora teoria, um engenho de pensamento que possa ser utilizado para finalidades específicas.
Em verdade, dever-se-ia cogitar se todos aqueles que escrevem em veículos públicos de comunicação deveriam reivindicar a expressa menção sempre que alguma passagem de seu texto, disponibilizado ao público, seja invocada em uma conversa (veja-se, ainda, o art. 8º da Lei nº 9.610). Há que se admitir que a menção expressa é reservada, via de regra, aos casos de especial relevância ou notável brilhantismo, quando, como já observamos, advém também, em regra, o natural, e não imposto, reconhecimento da comunidade.
Para usar uma comparação do próprio autor, parece-nos, sim, que pretende intitular-se proprietário de uma expressão ou de um pensamento, assim como uma empresa é proprietária do nome Coca-Cola.

A toda evidência, não há necessidade ou utilidade a autorizar considerar-se o pedido de produção de prova formulado. Mais do que isso, não há, como visto, material a ser analisado nos moldes pretendidos.

Ante o exposto, julgo improcedente o pedido, na forma do art. 269, I, do CPC.
Sem honorários advocatícios, nos termos da Lei nº 9.099/95.
Publique-se. Intimem-se.
Porto Alegre, 13 de agosto de 2013.

Ana Maria Wickert Theisen
Juíza Federal Substituta

——————————————————————————–
Documento eletrônico assinado por Ana Maria Wickert Theisen, Juíza Federal Substituta, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.jfrs.jus.br/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9974363v5 e, se solicitado, do código CRC 55E4E8D4.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): Ana Maria Wickert Theisen
Data e Hora: 04/09/2013 19:10

——————————————————————————–

Comentários encerrados.