ARGENTINA E REFORMA NO JUDICIÁRIO – TEXTO DA ENTREVISTA FEITA PARA A DEUTSCH WELLE

1) Qual é sua opinião sobre a reforma judiciária enviada por Christina Kirchner ao Congresso?
A Constituição Argentina é, depois da Constituição Norte Americana de 1787, a mais antiga em vigor nas Três Américas. Ela foi feita após a derrota de Juan Manuel Rosas, unitarista, vencido em Caseros, pelo General Justo José Urquiza, que implementou a federação argentina conforme as lições do renomado constitucionalista Juan Bautista Alverde, autor da obra “Las Bases” e redator principal da constituição argentina de 1853 promulgada pelo Congresso Constituinte de Santa Fé. Esta constituição sofreu várias reformas nos anos de 1860, 1866, 1898, 1957 e 1994, estas últimas sob o governo liberal de Saúl Carlos Menén, paradoxalmente dito peronista (Juan Domingo Perón era social democrata e intervencionista). A América Latina, por mimetismo emula em seu constitucionalismo o modelo americano de 1787. Assim construiu um sistema de estado de direito em que a tripartição do poder, através dos freios e contrapesos é interativa manifestando-se através do recíproco controle entre as três funções. Assim é que o Estado Democrático de Direito é Democrático por que Político, realizado pelas funções políticas Legislativo e Executivo mas de Direito, por que Jurídico pois controlado, em última instância pelo Poder Judiciário. A equação deveria ser esta mas, no entanto, as indicações para os tribunais superiores, na América Latina, são feitas pelos poderes políticos e assim, o jurídico fica permeado pelo político. É a antiga discussão temática entre dois dos maiores constitucionalistas do planeta, por sinal alemães, Carl Schmitt e Hans Kelsen. O primeiro defendendo a intromissão do poder político sobre o jurídico através da figura do Chefe do Reich, o outro, Kelsen, obstaculizando esta possibilidade alvitrando a nomeação neutral e baseada nas competências eminentemente jurídicas dos componentes desta Corte Suprema. Atualmente a América Latina passa pelo fenômeno descrito por Jurguem Habermas em que ele diz “que o estado está como uma nave com uma carga mal presa, oscila nas ondas, com a carga fora de coitainers (liquida ou em grãos) da esquerda para a direita, é dizer da esquerda para a direita…” Assim é que Christina Kirchner, não saindo do parâmetro dos demais governantes, como Evo Morales, da Bolívia, Hugo Chavéz, recentemente falecido, da Venezuela e Correa, do Equador, da mesma forma pensam em controlar politicamente o que deveria ser uma função jurídica isenta. É Christina mesmo quem afirma:” “Es un poder del Estado y debe ser tan democrático como lo es el Poder Ejecutivo y el Poder Legislativo. Esto, así de simple y sencillo, es el gran objetivo de la Reforma”, Esta noção adulterada de democracia é que quer quebrar o controle jurídico sobre o controle político. Sem controle jurídico sobre o político não temos regimes democráticos de direito pela razão de que as maiorias, sem limites na lei constitucional são tão ditatoriais ou tiranas como os próprios regimes monocráticos. Lembro aqui as palavras do revolucionário tropeiro Honório Lemes que dizia: “Nós queremos leis que governem os homens e não homens que governem as leis!” Este homem, sem ao menos ter conhecido Hans Kelsen, embora fosse seu coevo, muito menos suas idéias, na sua simplicidade deu uma lição que repete, a matriz do pensamento Kelseniano na defesa do jurídico e do conceito de Constituição. O Presidente Lula, no Brasil, também instituiu grupos de trabalho para verificar uma forma de intervenção no Judiciário do que ele intitulava de “caixa preta do judiciário” que não logrou progredir. No Brasil fizeram a emenda 45 que criou um Conselho Nacional de Justiça e introduziu este órgão na Constituição. Foi o Poder Constituído legislando contra os ditames do Poder Constituinte Originário. O que temos é que as Associações de Magistrados tiveram de se fortificar contra a ingerência “política” deste novo órgão que, tendo poder de avocar processos – o que a ditadura não tinha – relativiza as três garantias da Magistratura, sejam, vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos. Relativiza o princípio federalista pois dilui a força dos estados em pról da concentração de controle num órgão da União. Este fenômeno de tentativa de enfraquecimento do poder Jurídico para fortificação do poder Político é um fenômeno disseminado na América Latina e perigoso pois está levando a um processo de regimes populistas e demagógicos que compram o voto das classes excluídas com programas de governo e não de estado (como deveriam ser neutrais e não pró-partidários) corrompendo assim o princípio republicano e o princípio constitucional do estado democrático de direito.

2) Caso elas sejam aprovadas, haverá a chamada kirchenerização da Justiça? O Judiciário vai perder poder com elas?
O Judiciário já está perdendo poder pela intromissão indébita do poder político na regulação anterior deste poder. Só o poder Constituinte Originário poderia fazer modificações constitucionais desta jaez. Como pregava Joseph Siéyès quando em sua obra Quesque cést le tiers état? Prelecionando a supremacia do poder Constituinte Originário sobre o Poder Constituido vetado de fazer reformas que alterem o núcleo duro do que foi determinado pelo poder Constituinte. Da mesma forma as lições de Georg Jellinek quando em sua obra falava da Competência das Competências ou do Poder Maior que estabelece as demais competências estatais ou Hans Kelsen quando falava da Grund Norm. O império da política sobre o jurídico, destroçando o estado democrático de direito, quer o exercício ilimitado e onipotente de suas próprias razões e para isto utiliza-se da falácia democrática do domínio das maiorias esquecendo-se, por conveniência, que estas maiorias devem limitar-se pela lei atribuindo fiscalização às minorias incólumes dentro de um regime fidedigno, legítimo e democrático. Christina Kirchener quem ter o Poder Judiciário sob sua sujeição como já controla o Banco Central Argentino, que é outra temática, que está sob seu jugo. Na realidade ela colocou cães pastores contra sua cidadania que vem de uma tradição de currency board ou dolarização, sendo que a inflação gerada pelo seu governo que sobe a mais de 35% ao ano, destrói corroendo sua economia como um todo gerando toda esta crise que vai se desatando de paradoxo em paradoxo em razão do fenômeno causado pelo conceito “Guerra das Moedas” criado por mim em 1998 e pelo qual processo a União para obter meus direitos de autoria perante a Justiça Federal.

3) De forma breve, como o senhor avalia cada uma destas medidas?
Acho que estas medidas, já aprovadas no Senado e que serão levadas à apreciação da Câmara dos Deputados levarão, negativamente, a esta interferência indébita do poder político no judiciário. No entanto considero que razões econômicas graves pois quem semeia vento colhe tempestades poderão modificar os rumos inclusive da própria sobrevivência política de Christina no poder e até sua permanência. Vide exemplo de Lugo no Paraguay que insuflava invasores de terras,c ontra a lei e contra o regime constitucional. Se não formalmente, as ruas poderão abreviar o governo de Crhistina e a Argentina poderá ter também sua praça Tahrir, como foi no Egito e nos países do norte africano.(As reformas foram aprovadas também pela Câmara com maioria escassa pois a entrevista foi antes da ocorrência)

4) O senhor acredita que haverá mais protestos na Argentina contra essas medidas?
Por tudo o que disse acredito que este é o começo do fim deste regime e que as ruas terão um lugar ímpar neste processo pois ela continuará a ser assediada pelo fenômeno Guerra das Moedas que levará a perda de apoiamento interno dentro de seu país em razão da constante degradação econômica que irá aumentar mais e mais.

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