AS REFORMAS TRIBUTÁRIA E PREVIDENCIÁRIA – Escrito em 14.09.2003 – Estas reformas ao que me consta foram feitas abaixo de MENSALÃO e são substancialmente INCONSTITUCIONAIS pois a votação dos parlamentares foi comprada como se depreende do julgamento da ação 470 do STF.

AS REFORMAS: TRIBUTÁRIA E PREVIDENCIÁRIA.

Na esteira do processo de globalização que se inicia a partir do ano de 1989, com a queda do muro de Berlim que retrata emblematicamente a implosão da URSS, os estados nacionais emergentes passam por um amplo processo de transformação. Sob a influência dos entes multilaterais, FMI, Banco Mundial, GATT/OMC, e através de um processo bi-lateral por onde se desenvolve o regionalismo, os parâmetros econômicos/jurídicos/sociais, dos estados emergentes, sofrem uma profunda revolução. É o amplo processo interativo das economias nacionais com a chamada economia globalizada. Os impactos na infra-estrutura econômica necessitam reproduzir-se em possibilidades jurídicas retratadas nas ordens constitucionais destes estados. O Brasil não é uma exceção neste processo de reengenharia institucional. Seu modelo fechado de Welfare-State (Estado Providencial) que perdura no bloco de constitucionalidade que vai de 1930 até a Constituição de 1988, que é a cúspide do aperfeiçoamento histórico do constitucionalismo social no Brasil, a partir das reformas constitucionais que se iniciam a partir de 1992 e se incrementam a partir do ano de 1994, vai relativizar-se mais e mais inclinando-se para um sistema constitucional político-liberal. A partir do ano de 1994, com a eleição de Fernando Henrique Cardoso, a construção da simetria monetária, conforme a concepção de Robert Mundell, Prêmio Nobel de Economia, retratada no plano Real, a dívida pública brasileira é catapultada para um patamar de mais de 60% do PIB. Neste cenário de definhamento do estado nacional a arrecadação tributária é tragada no vórtice do incremento dos valores da dívida. Nesta ótica o estado nacional cada vez mais anêmico não tem mais condições de bancar o processo de desenvolvimento para o qual estava destinado pelo antigo modelo constitucional social, agora em transformação através das reformas. Com o processo de desestatização, os ativos públicos são leiloados e transferidos para a iniciativa privada. Os créditos desafogam por momentos o déficit das contas públicas mas com o passar dos anos cada vez mais elas vão tragando os valores antes dedicados aos investimentos estatais. Na esteira destes problemas é feita a Lei de Responsabilidade Fiscal que vai consolidar várias medidas anteriores que estabeleciam patamares nos gastos públicos referentes,v.g., à educação, saúde, folhas dos funcionários, etc. O Estado/Fisco, pressionado pelo vermelho de suas contas, num processo de fagocitose, passa a avançar sobre a Sociedade Civil, aumentando mais e mais a carga tributária chegando ao nível de 36% do PIB tornando insuportável a carga tributária. Os impostos ironicamente tem índices próprios de países escandinavos, no entanto, os serviços prestados, ficam ao nível dos países africanos. Sobrecarregando mais ainda esta demanda o déficit previdenciário agrava mais e mais a conta do Tesouro da União. Os direitos atribuídos aos servidores celetistas, pela Constituição de 1988, que transformaram-se em estatutários sem a necessária contrapartida anterior de suas prestações e as da União para o bolo que mantinha o equilíbrio do cálculo atuarial; a atribuição de direitos aos trabalhadores do campo, sem a necessária arrecadação anterior, os desvios atribuídos à construção de Brasília e da infra-estrutura, no governo revolucionário, a sonegação, etc, tudo isto levou ao incremento do chamado déficit previdenciário. De outra banda a chamada “guerra-fiscal” entre os estados e a falta de racionalidade no perfil dos impostos, levaram a retomada do projeto de remodelação previdenciária e fiscal, que possibilitasse um desafogo das contas públicas.
O governo do Presidente Lula, embora contestasse toda a política anterior de FHC, paradoxalmente em contradição com suas premissas partidárias, assumindo o governo, pressionado pela realidade das cifras em vermelho e pelo cenário internacional, passa a implementar o mesmo teor das reformas preconizadas pelo seu ex-adverso.
O governo sob o argumento de reforçar o pacto federativo estabelece, inicialmente, aliança com os governadores e pretensamente com os prefeitos reunidos em vários encontros, para atingir o que, na exposição de motivos da PEC 41, cognominou de “desafio de mudar o modelo sem causar reduções nas receitas disponíveis e tampouco elevar a carga tributária total do País a fim de aumentar a eficiência geral do sistema”.
No entanto, o que se apresenta como reforma é algo completamente teratológico e contestado pela unanimidade de prefeitos e governadores que dirigem-se em protesto rumo a Brasília. O governo federal abocanha o ICMS, assumindo a legislação e emissão das alícotas que são reduzidas a 5, deixando aos estados unicamente a função de arrecadação e cobrança. Com relação aos impostos IGF, Imposto Sobre Grandes Fortunas, ITR, Imposto Territorial Rural, Imposto Causa Mortis e o Inter-Vivos, a um incremento do chamado processo de progressividade, com índices que vão de 30% até 50%. Este é o paradoxo maior pois se o governo FHC extinguiu com a possibilidade do Estado-Empresa, através da venda dos ativos públicos, extinguindo totalmente com o capital estatal e a possibilidade de incremento econômico através do estado, vem agora o atual governo, extinguir por sua vez o capital existente dentro da Sociedade Civil. Ora, sem capital em nenhum lugar, não há possibilidade de sobrevivência econômica para um povo. O regime liberal coloca todo o capital na Sociedade Civil; o regime socialista coloca todo o capital no estado nacional, sendo que o regime social-democrata divide o capital entre o estado e a Sociedade Civil. Resta, na visão deste cenário, somente um dilema: Ou o governo pretende que o capital internacional substitua de forma definitiva o capital nacional ou pretende, noutro extremo, uma revolução socialista com o confisco do capital autóctone pela absorção através da progressividade que inundará a burraca vazia de um estado atualmente sucateado. A leitura, no entanto, pela forma que foi incrementada a Reforma Previdenciária, que desmonta a máquina pública nacional, confiscando direitos adquiridos dos trabalhadores estatais é que este governo, como clone do anterior, pretende mesmo é uma revolução liberal, pois não existe estado sem um corpo de funcionários que possibilite o seu funcionamento. No entanto, pela contradição inerente aos perfis, diametralmente opostos, contidos na PEC 40, da Previdência (viés Liberal), que contradita a PEC 41, da Reforma Tributária (viés Socialista), constatasse que não há governo possível ou que, se ele existe, no mínimo é contraditório. O pior em tudo é que ambas as reformas em tela, eivadas de inconstitucionalidades, funcionam como placebo para aplacar os entes multilaterais e os investidores internacionais. No entanto, como nem arranham a epiderme dos problemas nacionais, em breve o fantasma dos déficits públicos sairá debaixo do tapete para assustar administradores e a cidadania com seu fantasma insepulto. Quem viver verá…

PROF. SÉRGIO BORJA – Professor de Direito da PUC/RS E UFRGS

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