DILMA E A GOVERNABILIDADE

DILMA E A GOVERNABILIDADE.
Os traços mais admiráveis da personalidade da Presidenta Dilma Roussef, seu caráter retilíneo e sua integridade, podem levar a uma profunda crise política entre o Executivo e o Legislativo. As recentes escaramuças, v.g. o veto à recondução de Bernardo Figueiredo, indicação dela frustrada pela negativa do Senado e as consequentes retaliações advindas como a substituição dos líderes do Governo na Câmara e do Senado e o congelamento das indicações dos novos ministros, são a ponta do iceberg de sua recidiva. Os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula da Silva, que a precederam, se não tinham consciência profunda da mudança institucional sedimentada na constituição de 88 tinham, pelo menos, intuição suficiente para não contrariar os mecanismos ali institucionalizados pelo legislador constituinte. Sabedores destes mecanismos não esmurravam em ponta de faca. Simplesmente recauchutavam ou compravam avião e viajavam. Deixavam sempre um Ministro da Casa Civil que fazia as vezes de Primeiro Ministro. Henrique Hargreaves, Clóvis Carvalho, Pedro Parente, José Dirceu, a própria Dilma Roussef, Erenice Guerra, Antônio Palocci e agora Gleisi Hoffman. Lendo com atenção toda a lista inevitavelmente constatar-se-á que a metade destes ministros, em seu trajeto a frente da Casa Civil, foram devidamente apeados do cargo por crises profundas. Foi o legítimo Voto de Desconfiança da Sociedade Civil. A expressão utilizada para caracterizar o processo de exoneração dos ministros da Casa Civil é coincidente com a institucionalização constitucional. A constituição de 1988 é irmã gêmea da constituição de 1946. Ambas são egressas de regimes ditatoriais, respectivamente, o varguista e o militar. Os legisladores constituintes, em ambas, reforçaram os poderes do Congresso Nacional possibilitando a governabilidade ao Executivo somente com o apoiamento da maioria parlamentar lá existente. A constituição de 1988 foi mais longe. Ela, para dar maior consenso aos Executivos, implantou o regime de duplo turno ou voto de ballottage. Quebrando um bloco de constitucionalidade de mais de 100 anos pois nenhuma constituição anterior tinha este recurso ela institucionalizou o duplo turno a fim de aumentar consenso. Fazendo isto para o bem, para o mal criou um mecanismo que fez com que houvesse a morte das ideologias e dos programas partidários. O incremento da dívida pública a níveis estratosféricos exacerbou ainda mais o problema reforçando, as coligações e coalizões resultantes do duplo turno e da rifa dos Ministérios e Secretarias, pela necessidade de manutenção da aglutinação de uma vontade forte para domar a ingovernabilidade daí advinda. Assim é que o sistema presidencial brasileiro sofreu um processo lento de parlamentarização. FHC e Lula sabiam ou tinham intuição disto quando viajavam e indicavam os legítimos “bois de piranha” ou “parachoques” governamentais que eram os ministros chefes da casa civil. A visão é incontestável pois mais de metade deles terminou como sucata política sofrendo inclusive infarto a testa da crise política constante que envolve o governo e sua administração sob o impacto do endividamento e da diminuição da capacidade de investimento que retiram o viés desenvolvimentista e caracterizador da social democracia antiga para levar o regime constitucional a inércia estatal transformando o sistema, pelo desabamento constante do estado construído pelo tenentismo do cedo – Vargas – e o tenentismo do tarde – Militares, num sistema liberal, não por convicção nem por opção, mas por única saída pois refém da sinuca de bico que se expressa no dito – se correr o bicho pega se parar o bicho come! O desmonte do velho modelo social democrata e a implantação lenta e gradual de um sistema liberal. A opção de Dilma Roussef, com experiência anterior na Casa Civil, ficou por lá de 21 de junho de 2005 a 30 de março de 2010, a levou, com base em suas impressões empíricas e pragmáticas advindas de seu caráter, a colocar no mesmo cargo que ocupou a ministra Gleisi Hoffman, que conforme dito xistoso corrente na imprensa gaúcha e atribuída a um deputado do Pt, seria uma legítima “boneca de bolo ou boneca de cristal”. É o processo de centralização que advém do perfil psicológico da presidente que expressa, de forma coerente em sua vida pública, os princípios do devotamento e responsabilidade pelas tarefas ou funções que ocupa e faz. Assim, os traços mais belos do caráter da Presidente, reforçados pela admiração da opinião pública, que espera realmente esperançosa ver em seus dirigentes a renascer destas qualidades necessárias aos líderes na nação, reforçam o embate.
FHC e Lula tergiversaram sobre o problema “comendo pelas beiras” e passando ao largo. No máximo deixaram o Primeiro Ministro da Casa Civil que as vezes, em rota de colisão inevitável, foram devidamente exonerados. O mal em tudo isto é que para o bem ou para o mal, a persistência de Dilma a levará inevitavelmente, a perda de sustentação política e a perda da governabilidade pois esta está calcada, irremediavelmente, por força do legislador constituinte de 1988, numa partidocracia que além de dominar o Congresso, domina todos os parlamentos, da União, aos Estados e Municípios da Federação. Mais do que isto, esta partidocracia, está presente na indicação de todos os ministros e de todos os cargos em comissão. Ela está presente em todos os sindicatos, nos conselhos profissionais, nas universidades, nos diretórios acadêmicos estudantis. Em todo lugar há cabos eleitorais e devedores e provedores deste sistema iníquo que se espraia como uma legítima metástase institucional. É este sistema de poder que corrompe a república e dilata a tomada de providências com relação a dívida pública e uma nova partilha do Pacto Federativo. A continuar o governo da partidocracia que utiliza como manifestação de seu poder o artifício da dissimulação de problemas, pois é de sua necessidade o voto e as eleições, e assim tem de agradar e dissimular problemas e, dissimulando-os protrai no tempo a sua solução. O único presidente, entre os anteriores citados, que contrariou a lógica do sistema e a parlamentarização do sistema presidencial foi Collor de Melo. Que, a pretexto de uma camionete e uma cascata na chamada Casa da Dinda, pagou com a perda do cargo, por impeachment, o seu atrevimento de enfrentar o sistema constitucional de 88. Sua responsabilidade política foi agravada pela sua pretensão de ter uma rede de televisão em sua terra e o precedente de ter cassado a poupança da cidadania. Tanto isto é verdade que posteriormente foi inocentado pelo Supremo Tribunal Federal mantendo sua condição de hombridade. Seus problemas, se comparados com o mensalão da era Lula, foram nanos. O estarte para o desencadear da crise foi pedir bandeiras cívicas nas janelas. Fatalmente o luto se desprendeu pelo vento nas soleiras de todas as fenestras nacionais e deu no que deu. Com todos os defeitos que tem o sistema adotado pelo legislador constituinte de 88, agravado pelo sistema de reeleição e pelo recrudescimento da dívida pública, mesmo assim, o processo de decisão passa, embora suas criticáveis e bastardas posições, por um número maior de vontades envolvidas na decisão do governo. A decisão de um só, mesmo que plena de moral e civismo, é decisão monocrática e assim, contrastada com a ditadura da maioria partidária, mais ditadura ainda. Assim, entre o menos e o mais, vamos navegando, de crise em crise, mas longe do sistema autocrático absoluto. PROF. SÉRGIO BORJA – PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL E RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA FACULDADE DE DIREITO DA PUCRS

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