LULA E A LÓGICA DA FACADA NAS COSTAS!

A LÓGICA DA FACADA NAS COSTAS (PUBLICADO NA GRANDE IMPRENSA EM 2006)

O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista concedida ao programa Fantástico, afirmou que “o conjunto de acontecimentos… soou como se fosse uma facada nas costas…” referindo-se analogamente ao encadeamento de escândalos que são objeto das diversas CPIs. Assim justificou sua defesa, objetivamente, através da metáfora da traição, que esgrime em sua legítima defesa.
Ora esta lógica é aquela que leva inexoravelmente a desconexão entre a cabeça e o corpo do governo. Esta é a lógica da irresponsabilidade do dirigente. Ela não condiz com o sistema de responsabilidade que é o cerne do princípio republicano. A monarquia, a contrário senso, adota o sistema da irresponsabilidade baseado no princípio de que o rei não erra. O sistema republicano funciona ao inverso, pois os cargos eletivos, na administração direta, são de confiança direta do Povo Soberano, sendo que os demais cargos do primeiro escalão, como os ministros, são de inteira confiança do Presidente e, além do mais, demissíveis ad nutum isto é, demissíveis ao seu inteiro alvedrio. Todo o dirigente, para manter a verticalidade e horizontalidade de seu poder, para “não ser esfaqueado pelas costas” , conforme expressão do nosso Presidente, nomeia funcionários de sua estreita confiança para ocupar os cargos e assim não perder as rédeas do poder que exerce. Esta é uma zona de tensão na ética pública em que o que vem, pretensamente, para bem pode se transformar no mal. O artigo 37 da Constituição afirma que a república é regida pelo princípio da legalidade, moralidade e impessoalidade. Pois é exatamente neste ponto nevrálgico que a coisa pública pode sofrer um processo de degradação e tornar-se pessoal, imoral e ilegal. Estão aí o nepotismo, o tráfico de influência, a advocacia administrativa, a concussão, a prevaricação, e todo o séqüito de ilícitos que minam a democracia e a república, através do abuso de confiança que transformam o impessoal, baseado no interesse público, em pessoal, baseado no interesse privado.
Ora, se o Presidente, nomeia os ministros, que na forma da lei são de sua inteira confiança, e estes nomeiam o séqüito de funcionários que os assessoram, ele e só ele, em última análise, é o responsável direto pelo governo. Em caso de fazer indicações erradas ou não vigiar a quem indica, irá incidir no que a doutrina preleciona e caracteriza como culpa “in eligendo” e/ou “in vigilando” (culpa em indicar e/ou vigiar o indicado). Assim, neste diapasão, se os indicados tiveram os cargos por sua nomeação ele, que foi indicado pelo povo, responderá perante este último, pela traição dos primeiros, por ter escolhido mal e, em virtude de suas inúmeras viagens ou outras diatribes, não ter vigiado suficientemente os indicados. O artigo 85 da Constituição Federal, em seu inciso V, tipifica esta possibilidade como crime de responsabilidade, sujeitando, portanto, o infrator, ao processo de impeachment. Não há outra leitura possível dentro do sistema republicano e democrático.
Prof. Sérgio Borja – Professor de Direito da UFRGS e PUC/RS.
PUBLICADO NA GRANDE IMPRENSA EM 2006