O INSTITUTO DO IMPEACHMENT, SOB A BOTA DO PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO, ESTÁ COMPLETAMENTE TRAVADO E NÃO FUNCIONA…

MATÉRIA PUBLICADA NO JORNAL ESTADO DE DIREITO:
A INUTILIDADE DO IMPEACHMENT NO BRASIL DE HOJE
Lendo o noticiário internacional nos últimos dias vemos a notícia da abertura do processo de impeachment do Presidente da República Tcheca, Vlacav Klaus, acusado de traição. Os tchecos estão de parabéns pois a modo dos brasileiros no ano de 1992, quando aqui houve o processo de impeachment de Collor de Melo, eles também conseguiram apear ou pelo menos abrir o processo contra seu presidente. O processo de impeachment está em nosso ordenamento constitucional desde a constituição de 1824 regulada, na época, pela lei 18 de 15 de outubro de 1827. Não cabia o impeachment do Imperador pois na fórmula inglesa a soberania era intocável e como dizia o aforisma anglo, em inglês arcaico “the king can do no wrong”, ou seja, “o rei não erra ou não pode errar.” Assim cabia a Câmara dos Deputados decretar e suscitar a acusação dos ministros e conselheiros de Estado, e ao Senado, julgá-los conforme ditava a constituição em seu art. 47 e a lei especial no art.20. Assim é que o instituto do Impeachment faz parte de todo o bloco de constitucionalidade brasileiro desde o modelo liberal que engloba as constituições monárquica de 1824 e republicana de 1891 e ainda o modelo social democrata das constituições de 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 e 1988. A constituição de 1934 teve influência alemã e inclinou-se por instituir um tribunal misto de políticos e juízes, sendo que as constituições ditatoriais, 1937, 1967 e 1969, dificultaram as possibilidades do mesmo. A constituição de 1988 que é a cúspide do constitucionalismo social do Brasil, mantendo o bloco de constitucionalidade histórico brasileiro, reproduziu os modelos de 1891 repassado para a constituição de 1946. Em 1950 o processo de impeachment foi regulado pela lei 1.079 de 10 de abril de 1959 que, recepcionada pela constituição de 1988, está em vigência até hoje com as ressalvas jurisprudenciais feitas pelo STF quando do julgamento do caso Fernando Collor de Melo. Conforme a Constituição atual e a lei 1079/1950 podem sofrer processo de impeachment, no âmbito federal, além do Presidente da República, os Ministros de Estado, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, o Procurador Geral da República. Qualquer cidadão pode denunciar estas autoridades sendo necessária somente sua condição de cidadania ativa que é provada mediante a juntada de uma certidão, fornecida pela Justiça Eleitoral, de que a pessoa está na plena posse dos seus direitos civis e políticos, devidamente juntada ao processo como manda à praxe, adotada tanto na Câmara dos deputados, como no Senado. A Câmara dos Deputados abre o processo e o Senado procede o julgamento presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal. Com exceção das demais autoridades nominadas, no caso dos Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Procurador Geral da República, para estes a denúncia é apresentada perante o Senado e julgada pelo próprio Senado. Recentemente vivenciamos no Brasil com grande reflexo na mídia o transbordamento do Facebook e da Avaz petições, círculos sociais que congregaram mais de um milhão de assinaturas em prol do pedido de impeachment do senador eleito para presidir o Senado da República, Renan Calheiros. Este tipo de ação mostra a repulsa da população contra a imoralidade de nossos políticos mas, no entanto, é uma ação que já nasce morta, pois, dentro de nosso constitucionalismo não há processo de impeachment contra senadores. Os parlamentares têm dois tipos de imunidade, seja a material e a formal. A imunidade material é aquela do art. 53 da CF sendo a imunidade formal regulada pelos parágrafos 3º, 4º e 5º do supra citado artigo. A imunidade material, seja nos crimes de injúria ou calúnia, cometidos no exercício do mandato, com relação aos parlamentares, é como se não existisse ou não se configurasse pela exceção concedida pela lei maior. Já a imunidade formal é aquela em que denunciado o parlamentar perante o STF, devidamente comunicada a abertura do processo perante o Excelso Petrório, a Câmara ou o Senado suspendem por maioria qualificada de votos o seu andamento, suspendendo da mesma forma o prazo prescricional do crime imputado. Assim o desconhecimento da lei e do assunto, por tratar-se de assunto estritamente jurídico, levou a este esforço de buscar o processo de impeachment contra o senador Renan Calheiros. Mas se não há processo de impeachment contra parlamentares pode-se dizer que a Constituição e a lei que regulamenta o processo de Impeachment contra as demais autoridades tem sua plena vigência e eficácia?! Vigência pode-se dizer que tem mas, no entanto, eficácia é o tema deste pequeno artigo. Como professor de Direito Constitucional desde o ano de 1985, quando iniciei minha carreira no Magistério Jurídico como professor desta matéria na Faculdade de Direito da Unisinos e depois prossegui nesta carreira nas Faculdades de Direito da UFRGS e PUCRS onde leciono até hoje, posso dizer que se a constituição de 1988, seguindo o modelo das constituições de 1891 e da constituição de 1946, permitiu num momento da vida política do país o impeachment de Collor, hoje, na configuração atual do país e sua política vigente, pode-se considerar que o processo de Impeachment é um instituto “para inglês ver” ou um “instituto da carochinha”. Explico. A Constituição de 1988 é irmã gêmea da constituição de 1946 e assim egressa de regime de força ditatorial como aquela outra. Assim, como a constituição de 1946, os poderes do Executivo foram divididos com o Congresso Nacional. O Executivo não tem governabilidade sem a aquiescência do Congresso, sem a colaboração de uma maioria, seja ela a da maioria de seu próprio partido, seja ela uma maioria urdida através de coligações, seja ela uma maioria “construída através da fraude” como a do mensalão recentemente julgado pelo STF, onde se compravam mediante mesadas distribuídas com parcimônia, os votos dos parlamentares acusados e condenados. A Constituição de 1988, diferentemente da constituição de 1946, para o bem, para atingir maior consenso, maior legitimidade, nos governos, instituiu o voto de ballottage, ou duplo turno francês. No pleito em que um dos candidatos não obtiver a maioria absoluta dos votos então é aberto um segundo turno para que assim os partidos, através de coligações e frentes, possam concorrer e obter, neste segundo turno, a condição de governabilidade essencial, na visão do legislador constituinte. Se isto veio para o bem, no entanto, para o mal, este procedimento causou a morte das ideologias e dos programas partidários pois o processo foi derretendo substancial e materialmente os partidos transformando-os em duas frentes parlamentares, geleias fisiológicas que buscam ministérios, secretarias, cargos, emendas, etc e que estão ou na situação ou na oposição, reeditando o sistema americano, de republicanos e democratas ou a velha fórmula da ditadura militar: ARENA e PMDB. O maniqueísmo político brasileiro é ponteado entre os antagonistas PT e PSDB sendo que a governabilidade dada a um ou outro dos contendores vencedores, tradicionalmente, no modelo de 88 é fornecida pelo PMDB, que nunca tem candidato a Presidente mas, no entanto, fornece a governabilidade e estabilidade do sistema. Assim é que no Congresso, seja na Câmara ou no Senado, seus respectivos presidentes, pertencem a esta maioria monolítica que dá governabilidade ao Executivo. A Constituição de 1988 instituiu uma verdadeira “simbiose osmótica” entre o Executivo e o Legislativo. Assim, quando o cidadão abre um processo de impeachment, contra a autoridade imputada, assina a petição, reconhece a firma, como manda a lei e a praxe, junta certidão de direitos políticos eleitorais e envia a petição para à Câmara ou o Senado, conforme seja a autoridade imputada, quem recebe esta petição, numa casa ou noutra é exatamente o líder desta maioria inconteste e que, pela prática descabida atual, arquiva o feito mediante um despacho descarado e sem qualquer fundamento jurídico. Esta é a prática do processo de impeachment. O arquivamento. As maiorias aboletadas no poder transformaram-se numa verdadeira ditadura civil de uma PARTIDOCRACIA chamada DEMOKRATURA. Karl Loewstein, no seu Tratado de Direito Constitucional, já havia descrito o processo interativo entre o fenômeno de dissolução partidária e a tripartição do poder. Da mesma forma, o professor e Doutor Giusti Tavares, na sua tese de doutorado, os Sistemas Políticos Partidários, também aborda, da mesma forma, este processo interativo dissolutivo repetindo, ambos teóricos, as apreensões manifestadas já pelo constitucionalista francês Henry Lefévre em seu Principes Constitucionels, quando fala da ficção da separação dos poderes quando o sistema é unipartidário. Nosso sistema partidário, formalmente, é pluripartidário mas pela instituição desmedida das coligações, este fenômeno dissolveu e mesclou os seus interesses numa teia de tal forma que através de sua dissolvência impossibilita a controle da Administração e dos Poderes Públicos pois tornando inócuo o processo de impeachment. Esta assertiva assaz verdadeira no Brasil de hoje faz renascer a pergunta eterna formulada por Norberto Bobbio: Quem controla os controladores?! No Brasil de hoje com o sistema partidário atual kafkaniano, ninguém pois o Processo de Impeachment é totalmente ineficaz e inócuo para produzir os efeitos para os quais foi criado. O que fazer para modificar tudo?! Uma reforma partidária radical que não permitisse a reeleição dos políticos terminando com o profissionalismo desta função eminentemente política. Financiamento público com proibição de financiamento privado pois ninguém dá alguma coisa sem pensar em receber de volta. O sistema atual é profundamente corrupto e leva fatalmente à corrupção como provam os constantes escândalos que temos vivido. Assim, constituinte já, mas com representantes da cidadania e não da atual partidocracia.

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